quarta-feira, 15 de junho de 2011

Representação política como forma de proteção de povos indígenas.


"Lideranças indígenas apresentam reivindicações ao governo.
- Lideranças indígenas de várias etnias reuniram-se ... com cinco ministros para apresentarem reivindicações que vão dos problemas causados pelas grandes obras do governo ... à demarcação de terras e a um pedido explícito pela substituição do presidente da Funai ... Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência, comprometeu-se com as lideranças a agendar um encontro deles com a presidente Dilma Rousseff..." 1

O recebimento de comitivas indígenas, politicamente sem respaldo, por autoridades governamentais tem alguma eficácia além de um efeito protocolar, em que pese uma ou outra promessa ou pequena concessão ?

Como tornar eficaz a proteção de direitos de povos indígenas, sem exceder seus valores e culturas e nem excluí-los da vida do Estado?


Implicações de um direito indígena menos protetivo a certas liberdades individuais

Na comunidade indígena de Kuna Yala - Equador -, a professora De Leon teve a sua intimidade violada na casa da indígena Nuria Munoz, sem o consentimento de ambas. Na busca de reparação sobre tal ato, a indígena Nuria acabou por ser condenada, pela liderança local - indígena -, a castigo físico.

A Constituição Brasileira de 1988 assegurou aos índios o direito à diferença, a saber: direito de terem cultura diferente, relações diferentes e direitos diferentes, por outro lado, tal direito à diferença quando colocado em confronto, dentro das próprias comunidades indígenas, com direitos individuais consagrados universalmente, podem gerar antagonismos.

É lícito que o Estado, onde se inserem tais comunidades indígenas, devotado à proteção do direito à diferença fira tal direito com o objetivo de proteger direitos individuais ?

Abrir mão de proteger algumas liberdades individuais sob a alegação de não-interferência na cultura indígena deve ser, e tem que ser, uma situação de avaliação específica, caso-a-caso, sopesando-se todas as implicações possíveis e buscando preservar-se a temática dos direitos humanos universalmente reconhecidos.

Conflito entre o direito dos povos à autodeterminação e o direito à integridade física e moral

Diz a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas:

"Os povos indígenas tem direito à autodeterminação, de acordo com a lei internacional. Em virtude deste direito, eles determinam livremente sua relação com os Estados nos quais vivem, num espírito de coexistência com outros cidadãos ... em condições de liberdade e dignidade." 2

"Os povos indígenas tem o direito ao pleno e efetivo desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos na Carta das Nações Unidas e outros instrumentos internacionais de direitos humanos." 3

"Os povos indígenas tem o direito coletivo de existir ... assim como os direitos individuais à vida, integridade física e mental, liberdade e segurança da pessoa." 4

Por outra, no Estado Brasileiro, dispõe a Constituição de 1988 que:

"São funções institucionais do Ministério Público ... defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas." 5

"Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo." 6

E, ainda, diz a Convenção OIT-169, quanto aos povos indígenas e tribais, que:

"... deve-se assegurar especialmente o gozo, em pé de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população..." , bem como que "Estes povos deverão gozar plenamente e sem discriminação dos direitos humanos e liberdades fundamentais..." .

Logo, da análise de tais destaques é possível verificar que não se pode concluir por existência de "conflitos" entre o direito dos povos indígenas a autodeterminação e o direito à integridade física e moral de seus membros, vez que este direito é, de pronto, integrante dos direitos humanos e universais e, portanto, devem ser considerados naquela autodeterminação.

Posicionamento como membro de uma Organização Não Governamental quanto ao julgamento sumário da professora De León

Do acima exposto fica claro que, como eventual membro de uma Organização Não Governamental, eu me posicionaria contrário ao julgamento sumário do caso estudado e, entendendo que cada caso deve ser avaliado e analisado de forma independente e que o direito à preservação da identidade étnico-cultural indígena deve ser resguardado, mas defendendo e afirmando que, antes de tudo, se sobrepõe porquanto é parte integrante e preliminar, o direito à vida, à integridade física e mental da pessoa, como condição principal ao respeito pelos direitos humanos universais.

Conclusão

Cândido Rondon afirmava que o objetivo não podia ser exterminar ou transformar o indígena, mas fazer dele um índio melhor, dando-lhe acesso a ferramentas e a orientação adequada e que cumpria fixar as normas de um direito compensatório, pelo qual os índios tenham os mesmos direitos que os brasileiros, mas que esses direitos não lhes podiam ser cobrados como deveres. 7

Quem mais, além dos próprios povos indígenas, pode saber, entender e lutar pelos direitos das nações indígenas ?

Já está mais do que na hora e é consoante com os diversos mecanismos legais e políticos existentes e que tem sido criados, que os povos indígenas precisam ter voz ativa, ter representatividade política, para a sempre necessária busca de reconhecimento de seus direitos.

Para tanto, é imperioso que, a cada legislatura, se eleja também, somente a partir dos votos indígenas livres e facultativos, representantes indígenas - não indigenistas, mas indígenas natos - para a câmara federal, de forma que todas as nações indígenas possam compor um bloco representativo para propor, fiscalizar e debater sobre seus direitos, os direitos indígenas.


Referências bibliográficas
1 - O Globo, 05/05/2011, a partir de http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/05/05/liderancas-indigenas-apresentam-reivindicacoes-ao-governo-924391070.asp ;
2 - Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas. § 1 - Parte 1;
3 - idem, § 2 - Parte 1;
4 - ibidem, § 4 - Parte 2;
5 - Constituição Federal de 1988, Capítulo IV, Seção I, artigo 129 - V;
6 - Constituição Federal de 1988, Capítulo VII, artigo 232;
7 - Ribeiro, Darcy. O Povo Brasileiro. 2ª Edição, págs. 147/8;