domingo, 22 de maio de 2011

A Intervenção do Estado no Sistema de Cotas Raciais.

No seu artigo 1º, a Lei 3.353 de 13/05/1888 declarou extinta a escravidão, mas não se referiu a como receber os escravos libertos na “nova vida” de liberdade. Como promover essa integração ?

É um objetivo fundamental da Nação, a “promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação “ , segundo o artigo 3º da Constituição Federal.

Ainda em consonância à Constituição Federal, em seu artigo 208, é dever do Estado a promoção, da educação básica obrigatória, bem como , do acesso aos níveis mais elevados da educação “segundo a capacidade de cada um”.

E, de destaque importante, dispõe o artigo 19 da Constituição Federal a expressa vedação da criação de distinções entre brasileiros ou preferências entre si. De outra, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, em seu artigo 1º, § 4º, a par de não considerar discriminatórias as medidas especiais que assegurem o progresso de certos grupos, adverte para que desde que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos.

Isto considerado, em síntese, como deve ser a intervenção do Estado para promover a igualdade numa referência a um sistema de cotas raciais no âmbito educacional ?




“Quando é que, no Brasil, se pode falar de uma etnia nova, operativa ?
... Isso se dá quando milhões de pessoas passam a se ver não como
oriundas de índios de certa tribo, nem de africanos tribais ou genéricos,
porque daquilo haviam saído, e muito menos como portugueses metro-
politanos ou crioulos, e a se sentir soltas e desafiadas a construir-se, a
partir das rejeições que sofriam, com nova identidade étnico-nacional, a
de brasileiros.”
Darcy Ribeiro. (in O Povo Brasileiro.)

Ao assinar a “Lei Áurea” a preocupação básica era a de promover a Abolição. Não é objeto desta análise discutir as causas que levaram à sua promulgação, mas é de se destacar o foco, então, de inteiro imediatismo, sem que tivesse sido motivo de maiores preocupações o futuro dos escravos libertos na vida da nação.

A adoção de cotas raciais na educação advém de uma posição, em síntese, de que é preciso privilegiar uma minoria até então discriminada em função da cor. Sem verificar as possíveis desigualdades que tal espécie de ação pode causar, preocupam-se, seus defensores, apenas com uma atitude imediata, que, por si só, não poderá nunca resolver o problema que se dispõe atacar.

Darcy Ribeiro já falava o que a realidade nos mostra dia-a-dia: somos brasileiros ! E como completa o jornalista Ali Kamel :”integralmente brasileiros e não reconhecemos em ninguém o direito ... de nos dividir em ‘etnias’, ‘raças’, ‘nacionalidades’.” (O Globo, 17/04/2007).

Esta é uma primeira conseqüência desse sistema de cotas raciais. A divisão oficial de brasileiros em negros e brancos, por definição em lei, estabelece na sociedade brasileira um racismo oficial e isto, a história demonstra, é causa de conseqüências desastrosas.

A existência de indivíduos racistas numa sociedade não faz dessa sociedade racista e, no Brasil, claramente, este tipo de comportamento execrável é absolutamente subterrâneo e ínfimo e como tal deve ser e tem que ser combatido e nunca oficializado. Sim, existe preconceito racial no Brasil, mas o Brasil não é uma nação racista(carta ao STF, divs. signatários, O Globo, 01/05/2008).

A discriminação racial é enfrentada no Direito Brasileiro numa ênfase repressiva a cada momento mais atualizada e moderna. A partir do artigo 5º da Constituição Federal – “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” – diversos documentos legais se encarregam e se encarregarão de regulamentar os desvios discriminatórios (Vide as leis 7.716/89, 9.459/97 – “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” - ), mas a erradicação desse mal passa por uma real educação para a cidadania onde o reconhecimento e o respeito às diferenças produzam a igualdade e a tolerância consciente.

Por outra, o sistema de cotas raciais, a par de produzir diferenças, não resolve o que supostamente pretende, pois que não consegue promover a igualdade meritória que a própria realidade cobrará de todos os profissionais saídos da universidade, quando do exercício de suas profissões.

Também, como agravante, tais cotas raciais, ao privilegiar uma parcela em função de raça - cor da pele - atropela outros tantos que, não incluídos em tal critério, mas inclusos em outras minorias, tiveram dificuldades e falta de oportunidades de igual ou maior teor na sua vida educacional, como destacadamente a parcela mais pobre da população, independente da cor da pele, da religião ou de qualquer outro adjetivo que se possa lhe impor.

Mas, então, qual é o caminho a se adotar ? Como deve o Estado agir para, reparando as atuais diferenças, ao mesmo tempo promover a igualdade de direitos e oportunidades a todos os brasileiros ?

O remédio é conhecido, mas por ser de longa aplicação e de efeito distante, não imediato, costuma ser ignorado por governos, até por não se ter como, naquele futuro, como subproduto, a identificação de um benfeitor que possa, de tal fama, se beneficiar.

Mas cabe ao Estado o “remédio” de proporcionar a todos, brasileiros iguais que somos, um verdadeiro ensino que prime pela melhoria de qualidade dos estabelecimentos públicos de ensino, pela capacitação constante e reconhecimento do corpo docente e pela adoção de um novo currículo escolar – a partir de anseios da área acadêmica em geral - que, independente de manter-se atual e qualitativo nas disciplinas utilitárias de mercado global, promova, de forma absolutamente não-ideológica, a conscientização dos conceitos de pessoa, direitos humanos e igualdade nas relações humanas, numa real educação para a cidadania e concomitantemente, de forma mais imediata e temporária, crie e reforce iniciativas, estas sim afirmativas, de reparação de desigualdades, até que a “nova escola” esteja produzindo seus frutos.

E tais iniciativas afirmativas e temporárias, no âmbito educacional, não se foquem em divisões, mas antes, por si só promovam a união e a igualdade, ao tempo em que corrigem diferenças, seja a curto-prazo promovendo a re-preparação pré-universitária dos estudantes que, advindos de condições sociais adversas, não tiveram a oportunidade de uma educação mais qualitativa; seja a médio-prazo promovendo preparatórios qualitativos para aqueles que, ainda no atual sistema educacional, não se beneficiarão da “nova escola” em gestação.